INOVA BERRINI

Marginais do Pinheiros: um convite ao olhar

Por: Sibelia Zanon

Desde julho, Lila olha para o rio e enxerga o voo.
Na verdade, foi o Leandro que a chamou para olhar junto.
– Você precisa ir lá. Tenho visto os mesmos pássaros que você fotografou no Pantanal.
Lila duvidou. Ele deve estar vendo pardal, no máximo bem-te-vi, pensou a fotógrafa.
Até que um dia ela foi. E viu.

Entre um enquadramento e um espanto, nasceu o Marginais do Pinheiros, projeto que convida a ver a vida, onde a poluição nível 4 flerta com a morte.

Lila Leite começou com duas paixões: uma pela fotografia, outra pela natureza. Formavam um trio. Depois se transformaram em quarteto: Lila, a fotografia, a natureza e Leandro.

Lila e o Rio Pinheiros unindo paixões: fotografia e natureza

E foi Leandro quem puxou a fila, convidando Lila a descobrir os habitantes do Pinheiros para, então, criarem o Marginais do Pinheiros, projeto que revela a vida que habita margens improváveis.

Ciclovia Rio Pinheiros da CPTM: o início da aventura

Leandro Malavazi treinava frequentemente na ciclovia do Pinheiros. Quando precisava exercitar o fôlego dos treinos mais longos, a ciclovia era um bom lugar, com seus mais de 20 km de extensão. Bom para a resistência física, ruim para o olfato.

Para ilustrar, basta lembrar que no último dia 25 de janeiro, no 466o aniversário da cidade de São Paulo, o Pinheiros ganhou mirantes no formato de assentos sanitários, visíveis nas pontes Cidade Universitária, Morumbi e Eusébio Matoso. Um convite para observar o Rio pela poética do esgoto, se é que poesia se mistura com esse tipo de material.

Intervenção do movimento #VoltaPinheiros: mirante em forma de assento sanitário

Acontece que em seus treinos, a despeito do olfato, Leandro era capturado frequentemente pela visão delineando pássaros diferentes dos pardais cotidianos. Chamou Lila para ajudá-lo a olhar. Desconfiada dos conhecimentos de ornitologia do marido, Lila foi até o local e encontrou o improvável: Frango-d’água, Savacu, Pernilongo-de-costas-branca

Pernilongo de Costas Brancas

Uns dias depois das primeiras descobertas, Lila voltou e, quando estava observando o Rio, deixou de desconfiar de Leandro e passou a desconfiar da própria vista. Matutou: Não, não estamos no belo Araguaia, que banha o Mato Grosso em praias de areias finas e brancas. Estamos no Pinheiros! E mesmo depois do pensamento alertar, ela continuou vendo o mesmo voo.

– Naquele dia eu comecei a pular na ciclovia igual criança.

Quem voava em sua direção era a Garça-Moura, por quem Lila havia se apaixonado anos antes, no Rio Araguaia. E logo veio outra. Era um casal! Opa, registro do quinteto: Lila, a fotografia, a natureza, Leandro e o casal de Garça-Moura do Pinheiros.

Mas o que come esse povo? – pergunto. Lila desfila um cardápio, nem tão balanceado, nem tão gourmet, que inclui grilos, baratinhas d’água, baratas maiorzinhas, escorpiões e assim vai.

Garça-Branca alimentado-se no rio Pinheiros: cardápio variado

Foi essa paisagem inusitada que instigou Lila e Leandro a convidar os paulistanos para olharem junto. E não é que caminhando com a fotógrafa ali por aquelas margens, estrangeiras para essa péssima ciclista que decidiu olhar junto, vimos nós duas, pela primeira vez ali na região, um Anu-branco ostentando a cauda longa e o cabelo arrepiado de sempre. Sorte de principiante ou um sinal de que cada dia é novo para quem percorre aquelas marginais?

O projeto começou no Instagram (marginaisdopinheiros) e a beleza das fotos é um convite. Convite para a esperança e, por vezes, para o incômodo. Imagens para acordar da indiferença! A capivara ajuda – porque não é só de pássaros que se fazem os Marginais. Em sua pose blasé, ela exibe o colar de plástico, que ninguém mede diâmetro nem incômodo, restando agradecer a uma vida ainda não estrangulada.

Outras poesias visuais, bem menos doloridas, evocam completa harmonia e nos fazem esquecer, por instantes, a geografia. E, de repente, somos levados para o Araguaia, crendo num rio limpo do vir a ser.


Savacu, Goraz ou Socó-dorminhoco
Garça Branca

Depois de tantas pedaladas, Lila na máquina e Leandro na vigília, o quinteto já virou mais. Tem se multiplicado em cores, espécies e pretende alçar voos. Desejos são diversos para o Marginais do Pinheiros: registrar a flora, realizar uma exposição, quem sabe até um livro. E… o maior deles: ver o Pinheiros cada vez mais vivo! E quem não quer participar dessa ambição?

* crédito das fotos: Lila Leite


Rio Pinheiros: lazer, esportes e diversão para os paulistanos

Como ele sempre dissera: o rio e o coração, o que os une? O rio nunca está feito, como não está o coração. Ambos são sempre nascentes, sempre nascendo.”

Mia Couto, A Chuva Pasmada

Vamos ajudar Lila e Leandro a olhar?

Confira as belezuras que já posaram para as lentes da fotógrafa:

Veja também:

Tagged in

7 comments

  1. André disse:

    Excelentes observações e atenção para as maravilhas naturais que estão na frente de nossos olhos e que não observamos. Parabéns Lila!

    1. Joao disse:

      Sou ciclista, pedalo na beira do Rio. Parabéns pelas fotos. Aves que já vi também ali: os dois tipos de anus, martim pescador, garça cinza, canário da terra, rabo de prata, tico tico, tesourinha, um amarelinho pequeno na região do SP Market, viuvinha, corujinhas perto da ponte de Interlagos, siriris, a pomba grande “trocal”, a pomba avoante, paturis, e um tipo de pato enorme, perto da ponte do Morumbi. O Martim Pescador mergulhou no meio do Rio, 100m acima da ponte João Dias e capturou uma tilapinha, pousando a 15m de mim.

  2. Andre disse:

    Excelentes observações das maravilhas naturais que estão em frente aos nossos olhos e não vemos. Parabéns pelo trabalho Lila.

  3. Maria Sílvia Pinheiro de Paula disse:

    Adorei! Que presente!o texto, as fotos, a descoberta de um novo lado. Obrigada por nos deixar compartilhar ! 

  4. Maria Sílvia Pinheiro de Paula disse:

    Que presente! Adorei! O texto, as fotos, a descoberta . Obrigada por nos deixar compartilhar com vocês.

  5. Silvia Husek disse:

    Lila!!!! Que perfeito!!!
    Parabéns pelo projeto!!!

Deixe seu comentário

Deixe um comentário para Silvia Husek Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.