O curso natural do Pinheiros, antes das obras de retificação ocorridas na década de 1940, tinha um traçado muito diferente do atual e o rio ia cortando o Brooklin até atravessar a atual Berrini. Muitos prédios e empresas como a Globo, Vivo, D&D Shopping e WTC não estariam instaladas onde estão hoje.
Retificação é tornar algo reto, no caso, o rio. Antes das “grandes obras“, o Pinheiros era um rio sinuoso que corria bem devagar, com suas nascentes e córregos desaguando nas águas calmas, quase paradas que só saiam da inércia com as chuvas que inundavam as terras baixas do Brooklyn Paulista espraiando-se pelas várzeas, chácaras e as poucas casas que haviam por lá.
Em 1920 um projeto ambicioso iria alterar para sempre o curso do rio e dos córregos da capital. Conhecido como Projeto Serra e idealizado pela canadense “The São Paulo Tramway, Light & Power” (mais conhecida como Light) incluia a implantação das represas Rio das Pedras e Billings, a retificação do rio Pinheiros desapropriando os terrenos da várzea e a reversão do fluxo de suas águas através de duas estações de bombeamento.
Uma delas, a Usina Elevatória da Traição (aquela ao lado da ponte dos Bandeirantes) foi concluída em 1939. São Paulo começava a ter pressa e fazer “o rio correr ao contrário” iria abastecer a represa Billings e assim enviar as águas para a geração de energia na usina hidrelétrica Henry Borden.

As obras de retificação iniciaram-se em 1928 e estenderam-se até a década 50. Mas alterar o curso do rio não era suficiente para atender a demanda de crescimento da cidade sem também retificar, enterrar e canalizar os córregos para controle das enchentes, servir de infra-estrutura sanitária e construir avenidas sobre eles. No Brooklin, por exemplo, os córregos da Traição, Espraiada e Cordeiro deram origem às avenidas dos Bandeirantes, jornalista Roberto Marinho e Vicente Rao, respectivamente.
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Um traçado bem diferente

O leito do rio Pinheiros, antes da retificação, passava ao lado da estação Berrini da CPTM, adentrava pelo quarteirão onde se encontra atualmente o “Robocop” (edifício Plaza Centenário), avançava pelas ruas Sansão Alves dos Santos, Flórida e rua Geraldo Flausino Gomes, cruzava a Berrini e seguia serpenteando pelo bairro, mais de 500 metros de diferença em relação a seu traçado atual. A arquiteta urbanista Angela Kayo realizou uma pesquisa do Pinheiros e sobrepôs mapas do antigo leito do rio ao das ruas de São Paulo: “Nos locais onde passava o rio Pinheiros, a água aparece nas inundações decorrentes de problemas de drenagem e aterro, e nas sarjetas devido ao exaustivo bombeamento do lençol freático onde há subsolos de garagem“. O painel com as imagens do fotógrafo Carlos Alkmin foi exposto na 10° Bienal de Arquitetura de São Paulo em 2013.
Não fossem as obras do Pinheiros, vários edifícios nem poderiam existir pois estariam dentro do rio ou muito próximo a ele:
- o complexo WTC, D&D Shopping, Sheraton Hotel;
- as torres do CENU e o hotel Hilton;
- vários prédios da Bratke & Collet nas ruas Flórida, Sansão Alves dos Santos, Geraldo Flausino Gomes, Arandú, Luigi Galvani;
- a praça Lion Monções;
- o C&C e Etna;
- a rede Globo;
- a Vivo;
- o shopping Market Place.
Para reverter o curso do rio, a usina elevava o nível da água num trecho que recebia as águas dos córregos Cordeiro, Espraiada e Traição. Por este motivo a Light teve que construir uma galeria paralela ao rio denominado “Dreno do Brooklin” para captar as águas dos três córregos e conduzi-los até desaguar no rio, à jusante da Usina da Traição. Anos depois, sobre o dreno ergueu-se uma das avenidas mais importantes de São Paulo batizada em 1965 de engenheiro Luis Carlos Berrini.

Moradores da época e sua relação com os córregos
“A várzea regada pelo Pinheiros, depois de devidamente deseccada e servida de meios de transportes, poderá ser aproveitada para bairros industriais rapidamente florescentes. A canalização do rio evitará definitivamente as inundações, as mudanças de curso, os depositos de alluvião e saneará a região facilitando a drenagem dos brejos e aguas estagnadas.”
(Petição de 1927 enviada pela Light à Câmara solicitando a concessão para a execução das obras)
Mesmo após as intervenções nos córregos, moradores daquela época relembram que as enchentes ainda eram comuns na região. A família Presser morava em uma casa na Rua Quintana na década de 60. “Haviam duas pontes de concreto sobre o dreno, uma na Guararapes e outra na Central, hoje avenida Padre Antonio José dos Santos. Nas outras ruas como a Quintana e Taperoá eram estreitas pinguelas de madeira formada por dois troncos com transversais. Cada vez que chovia, a enxurrada levava a ponte embora e tinha que construir tudo de novo.“, conta José Norberto Presser, o Bebeto. Sua irmã, Vera Presser, relembra com saudades quando a Berrini ainda era um córrego e suas ruas, de terra : “Os funcionários da Hípica Paulista vinham nas margens com facões cortar o capim para alimentar os cavalos. Aos domingos cavaleiros elegantes passeavam com aqueles cavalos enormes e pelos muito brilhantes pelas ruas dos bairros.”

Mara Oliveira mudou-se para o Brooklin em 1950, na rua Guaraiuva.
Cidadã brookliana, foi batizada pelo próprio padre Antonio José dos Santos, primeiro pároco da igreja São João de Brito . Mara relembra seus tempos de infância: “Em 1955 nos mudamos para a antiga Rua 4, a atual rua Mário Gonçalves da Silva, onde fica hoje o edifício Mandarim. Havia uma nascente, próximo à Rua Flórida, onde pegávamos água potável, que também servia para o banho pois, na região, a água dos poços era amarelada e com sabor desagradável. Havia muita areia, em todos os locais e alguns moradores vinham pegar para construir as casas. Nos espaços onde retiravam areia, ficavam buracos e quando chovia, os mesmos ficavam cheios de água. Brincávamos de nadar pois não eram fundos… era nossa piscina. “

Entre Rios e ruas
As obras de retificação dos rios e córregos de São Paulo foram literalmente um divisor de águas entre a vida pacata, quase parada dos paulistanos daquela época em contraste com a pressa paulistana dos dias de hoje .
No início do século XX, um projeto representava o contraponto ao Plano das Avenidas de Prestes Maia. Tratava-se da proposta do engenheiro sanitarista que havia projetado o canal de Santos, Saturnino de Brito, e levava em conta um maior respeito ao movimento natural do curso dos rios e córregos. Previa a utilização integrada da bacia hidrográfica para, além de suprir as demandas de saneamento e energia, utilizá-los também como meios de transporte e lazer com a implantação de parques lineares, lagos artificiais e áreas verdes para captar e absorver as águas das chuvas.
No final a proposta de Prestes Maia contou com o apoio político para moldar os rumos urbanísticos da cidade.
Quase cem anos depois, estas ideias voltaram a ser discutidas: integrar a cidade aos rios e mostrar que por baixo das avenidas nossos córregos estão vivos. O projeto “Rios e Ruas“, iniciativa do geógrafo Luiz Campos Junior e do arquiteto e urbanista Jose Bueno, propõe a redescoberta dos rios subterrâneos e córregos sob o asfalto, casas e edifícios caminhando pelas ruas da capital:


“Em qualquer ponto da cidade há um curso d’água a 10 minutos de caminhada.“, explica Luiz. “O dreno do Brooklin que capta as águas dos córregos Traição, Uberaba, Cordeiro e Espraiada faz a integração com vários bairros do centro e zona sul. O Uberaba, por exemplo passa por Paraíso, Vila Mariana e outros bairros até desaguar no Traição. Diadema e bairros adjascentes à avenida Cupecê são cortados pelo córrego do Cordeiro. O lixo que é jogado nas ruas em outro bairro vai parar nas galerias subterrâneas e irão chegar ao dreno do Brooklin que desagua no Pinheiros.“
QUEM VÊ CUIDA. QUEM VÊ PROTEGE. QUEM VÊ DESPERTA.
QUEREMOS TRAZER OS RIOS PARA PERTO DO NOSSO OLHAR.
É IMPOSSÍVEL CUIDAR DO QUE NÃO VEMOS.
24 de novembro: dia do Rio
No próximo dia 24 será o dia do Rio e para comemorar o Instituto Limpa Brasil e o Movimento Água Corrente lançaram uma ação de conscientização convidando crianças, jovens e adultos a responderem a pergunta: Como eu vejo e como eu gostaria de ver os rios? É possível gravar um vídeo de até 40 segundos pelo site do Limpa Brasil (clique na imagem abaixo).
A ação ganhou o apoio do Conexão Berrini e do Circuito Rios e Ruas que promove experiências para descoberta dos rios enterrados através da corrida, arte e prática esportiva. “Fiquem atentos em nosso site e redes sociais pois estamos programando para 2021 , uma plataforma de experiências culturais e esportivas que irão acontecer com toda segurança, após a imunização da população contra à COVID-19, provavelmente à partir do segundo semestre . Temos o apoio institucional do SIMA (Secretaria Estadual do Infraestrutura e Meio Ambiente) para relançar a edição única da Corrida e Passeio: Circuito Rios e Ruas – Margens do Rio Pinheiros com foco na educação e sensibilização das pessoas para abraçarem a causa da despoluição do rio!” , revela Charles Groisman, fundador do IdeaAction e criador do Circuito e Mostra Rios e Ruas.

Manifesto artístico do Circuito e Mostra Rios e Ruas: “ As veias estão para os seres humanos, como os rios estão para as cidades, como os tubos e conexões para as casas, como os vasos capilares estão para as árvores. Somos todos água! “
* acesse Circuito Rios e Ruas (em 2014 recebeu menção honrosa da ONU, Projeto com Impacto Mundial tendo como pano de fundo a maior crise hídrica da história da cidade de São Paulo).
Para Marco Braga, do Conexão Berrini, trazer a população às margens do rio é fundamental para lançar um novo olhar à causa: “Vamos reunir as grandes empresas do entorno, o comércio e os moradores da região para se juntar à causa. O programa NOVO RIO PINHEIROS prevê a despoluição no fim de 2022. Mas já há vida pulsando no rio e uma variedade enorme de pássaros, capivaras, árvores frutíferas. As pessoas precisam conhecer e usufruir as margens do rio, hoje restrita aos ciclistas . Onde há vida há esperança.”

EDDY, bela e curiosa reportagem sobre nosso bairro.Está de parabéns por mostrar aos novos moradores o grande progresso que tivemos nos últimos anos.
Embora não morando no bairro há tantos anos , vi todo esse progresso, pois morava no Campo Belo.
Cecília, você não só acompanhou como sempre foi muito presente e atuante por todas as melhorias do bairro através do Conseg Brooklin.
Muito especial este resgate da memoria da urbanizacao do bairro do Brooklin. Os Rios chegaram antes de nós e aqui sempre estaram!
Obrigado Charles! Os rios vêm antes das ruas…
Cheguei ao Brooklin em 1969 .. vi muito do que foi apresentado acima .. minha infância toda e ate hj no bairro.
Que bom Luiz, se quiser compartilhar estas estórias conosco, envie para contato@inovaberrini.com.br. Obrigado por nos acompanhar.
Parabéns.
Belíssima matéria.
Obrigado João
Meus sogros vieram para a rua Pensilvânia em 1950. Não tinha agua encanada e nem a rua asfaltada. Também tenho os recibos das prestações da compra do terreno de 500m2 da Cia Bandeirantes. Vim para esse bairro em 1961 e vi enchente nos últimos quarteirões da rua Pensilvânia. Meu sogro construiu a casa com um pequeno porão uma vez que os terrenos eram muito encharcados. A casa hoje é minha e falam que é a única que ainda mantém a mesma fachada até hoje.
Uauu!!! Que estória Suzan, manter a mesma fachada por tanto tempo!!
Nasci cresci e resido no Brooklyn desde meu nascimemto em 1951…..acompanhei todas as mudanças….a grande aventura era pegar a bicicleta e caçar sapos com meus irmao na varzea onde hoje e a Berrini…..
Doce lembrança quando as crianças ainda brincavam na rua!
Parabéns Eddy.
Excelente matéria. Sempre com excelentes publicações sobre o Brooklin.
Sua paixão pelo mesmo é semelhante a minha e do Marco Braga, querido amigo, sempre buscando soluções para nosso bairro e arrebanhando pessoas para que o acompanhem nessa jornada.
Você, como sempre, acompanhando-o e documentando tudo.
Doces lembranças de minha vida no bairro. Impossível não se apaixonar pelo mesmo. Acompanhar a evolução, é reviver cada instante dessa maravilhosa transformação.
É tão gratificante fazer parte de tudo isso..
Obrigada e contem SEMPRE comigo.
Ahh, obrigado Mara. Sou só um aprendiz perto de vocês!
Meu pai fundou a padaria uniao fialense, ainda esta la, e em 1961 eu nscia e comecaria minha historia passando por todas as histórias reportadas! Enchentes onde as pessoas vinham dormir na sala da casa, pois miravamis por cima da padaria e com as enchentes a agua chegava a mais 1.5 metro e ai as pessoas deixavam suas casas e dirmuam na nossa sala. Ou para os caminhies piderem trazer farinha para a confeccao dos paes eramis obrigadis a contratar caminhies para aterrar da arizona ate a padre antinio para os caminhies nao afundarem. Sao muitas historias. Lindas memorias
Caro Henrique, a Fialense faz parte da estória do Brooklin! Seria um prazer contar sua estória!
Que delícia conhecer mais a história do nosso querido bairro. Conheci a região nos anos 90, quando estavam criando a Av Roberto Marinho. Realmente o lugar era pantanoso. Passei a morar no Brooklin em 1998 e sou apaixonada pelo bairro. Eu gostaria de poder conversar com estes antigos moradores. Dizem que no bairro funcionava a empresa Olivetti. Alguém sabe se é verdade?